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Foto do escritorCamila Zanardini

Ferroviários aposentados recordam há 27 anos suas memórias

Ferroviários com mais de 60 anos de idade se deslocam semanalmente até o prédio do Antigo Hospital 26 de Outubro para recordarem o passado vividos nas estradas de ferro.


Membros da ASFER, contando as histórias da época da Ferrovia da RFF.SA, em plena sexta-feira. Foto: Camila Zanardini.


A Associação Beneficente 26 de Outubro, foi a materialização de um sonho da classe ferroviária. Em 26 de outubro de 1906 um grupo de cerca de 100 ferroviários da Companhia da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, se reuniu em Ponta Grossa e decidiram criar uma associação dos ferroviários, que atendesse as necessidades pessoais básicas como: moradia, assistência social, saúde, funerária, financeira e alimentícia. E assim nasceu a Associação de Socorros do Pessoal da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, que mais tarde foi nomeada Associação Beneficente 26 de Outubro.


Conforme é desdobrado na matéria Trajetória Histórica do Hospital 26 de Outubro nesta mesma plataforma a Companhia, construiu uma das Casas de Saúde de referência no Estado do Paraná do século XX. Porém, com a privatização da Rede Ferroviária Federal S.A, o hospital foi entrando em decadência até que em 1989 as portas da Casa Central de Saúde fechou-se definitivamente e o prédio foi ocupado pelo poder público.


Segundo o site da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa as quatro primeiras décadas do século XX houve um crescimento econômico e populacional significativo em Ponta Grossa. No início do século em 1908 eram cerca de 15.000 moradores na cidade e em 1940 no auge da ferrovia, Ponta Grossa se tornou a segunda cidade mais povoada do Paraná chegando perto de 39 mil habitantes.


Por meio da imponência econômica, que se tornou o trabalho ferroviário e dos decorrentes concursos públicos, que eram realizados pela Rede RFF S.A na década de 40, 20% da população pontagrossense eram ferroviários ou trabalhadores da Rede. Atualmente segundo a própria ASFER, existe aproximadamente mil ferroviários aposentados, que residem na cidade.

Recepção da população de Ponta Grossa ao Presidente Getúlio Vargas em 1945, que desembarcou na Estação São Paulo conhecida como Estação Saudades. Foto: Arquivo do acervo da Casa da Memória.


Essa trajetória da ferrovia em Ponta Grossa deixou marcas na memória de cidade, que permanecem vivas até os dias de hoje. Como o complexo Além do prédio ser tombado como patrimônio histórico, foi em 1992 uma associação dos ferroviários aposentados, a Associação Beneficente e Cultural dos Aposentados e Pensionistas de Ponta Grossa (ASFER), nascida em 11 de novembro de 1992.

Primeiro livro de controle de presença da ASFER em 1992. Foto: Camila Zanardini.


Desde então todas as segundas, quartas e sextas-feiras, os membros da associação se encontram fielmente para conversar sobre as lembranças da estradas de ferro em Ponta Grossa. Atualmente os membros se encontram na sede da associação, que fica no segundo andar no Prédio do Antigo Hospital 26 de Outubro, em uma sala composta por uma grande mesa de madeira, que comporta cerca de 18 pessoas, um fogão para preparar o café preto, que não pode faltar nas rodas de conversa. Além de alguns objetos como uma pequena miniatura da Maria Fumaça que enfeita a mesa.


Inácio Golinski, ferroviário aposentado e membro da associação vai três vezes na semana na ASFER. Morador do bairro Esplanada, anda cerca de 30 minutos de ônibus para estar presente nos encontros. Para ele a associação é uma família, já que por vezes ficava longe de casa e só tinha a companhia dos companheiros de linha.

"Aqui a gente se ajuda, conversa e se distrai do mesmo jeito que eram nas viagens. Além disso é tão bom recordar os momentos, que marcaram nossa vida", declara Inácio, o membro responsável pelo café da tarde na ASFER.

Inicialmente o grupo foi formado por cerca de 33 associados, que frequentavam as reuniões regularmente, com o passar dos anos algumas pessoas foram deixando de frequentar a associação e outros por conta de falecimento devido a idade. Pessoas como os ex-ferroviários como José Peres, Alceu Cordeiro e também Estefano Pacholok, o primeiro tesoureiro da associação.

Primeira lista de presença assinada pelos associados da ASFER. Foto: Camila Zanardini.


Segundo o atual presidente da associação Paulo Saincler Heusi, ferroviário por 23 anos pela RFF S.A, a associação tinha como finalidade principal emprestar dinheiro aos membros, reunir profissionais da estrada de ferro, local onde os associados emprestavam o telefone para fazer ligações para outras cidades e estados. Como reforça Paulo da ASFER. (ouça o aúdio)


Segundo a direção da Associação, fazem quatro anos que a ASFER não é mais uma associação regularizada, porque aos poucos foi diminuindo a quantidade de membros, o que resultou no fim regulamentado de associação, pois não há membros suficiente para formar uma composição de associação. Alguns não frequentam a 'ASFER' por causa de motivos de saúde, outros por desinteresse nas discussões que acontecem nos encontros e outros porque já faleceram.


Apesar da pequena quantidade de membros a cada encontro é como voltar no tempo do século XX, a riqueza dos detalhes na fala de cada um dos membros revela a importância da ferrovia na história de vida de cada um deles. Martinho Stremel tem 76 anos de idade e gosta de relembrar sua escolha de abandonar a profissão de torneiro mecânico (que conquistou estudando na antiga escola dos ferroviários a Escola Tibúrcio) e se aventurar na carreira de maquinista.


Segundo Stremel, ele estava voltando a pé do serviço e ao longe avistou a linha do trem ele e de logo em seguida avistou o trem vindo pelos trilhos e disse para si mesmo "Eu vou ser maquinista" e dias depois foi até uma banca comprar um jornal e manchete "RFF precisa-se de maquinistas" e ali viu a oportunidade de realizar seu sonho, estudou e passou no concurso. E diferente do que ele imaginava, o primeiro dia de trabalho foi de trabalho duro.

"Cheguei na estação e me apresentei como maquinista recém concursado e me levaram até os trilhos e lá me entregaram uma esponja de aço e um balde com um produto químico forte para limpar a sujeira da fumaça nas locomotivas. Aquele dia não foi fácil, cheguei com as mãos pretas em casa", recorda Stremel, rindo da situação.

Já em seu segundo dia de trabalho, ele foi colocado como auxiliar de maquinista. A partir de então começou a conhecer como era a vida na estrada de ferro. E só depois quase dois anos de muitas viagens, finalmente o ferroviário foi promovido à maquinista. Momento este que Stremel recorda como uma das melhores sensações que já viveu na vida.


"Foi muito boa a sensação de ter conquistado aquela posição. Durante a viagem eu tive problemas mas, no fim foi recompensador. Era o que eu mais queria fazer na vida, não via como um serviço, porque eu era realizado na escolha da minha profissão", alega Stremel.


Nos encontros além de rever os velhos amigos de profissão, os membros discutem sobre temas políticos, sociais e ao mesmo tempo recordam como era a vida dos mesmos no tempo dos trilhos de ferro. E assim há uma troca intensa de diversas histórias vivenciadas entre eles durante a vida ferroviária, como as viagens de Ponta Grossa até Apucarana que durou 4 dias devido um problema no percurso.


E na época não existiam telefones celulares e nem mesmo qualquer forma de contato durante o percurso das linhas de ferro, era necessário que um colega passasse com o trem na linha vizinha e visse a situação do outro ou o trabalho precisava esperar que sentissem falta dele no horário previsto da chegada do maquinista em determinada cidade. Se ele não chegasse durante o horário aí acionavam o socorro. Como aconteceu com o maquinista Paulo Saincler (ouça o áudio)




O avanço tecnológico também é pauta entre os membros, que ainda permanecem vindo até a sede da ASFER três vezes na semana. Antigamente o trabalho na ferrovia era puramente manual, nas viagens eram preciso não só do maquinista mas também do auxiliar para atender da carga e dos vagões. Segundo o ex ferroviário Inácio Golinski tinha vezes, que um dos vagões desprendiam do outro e além de perigoso era bem complicado de engatar novamente com os outros vagões, mas atualmente todo o sistema ferroviário é movido pela tecnologia como explicam Stremel e Paulo.


Vista da Estação São Paulo de cima dos trilhos na Avenida Vicente Machado. Foto: Arquivo pessoal de Francisco Pavilec.


Na visão dos membros da associação, os profissionais ferroviários não têm mais valor no mercado. Até mesmo o sindicato atualmente não possui muito crédito enquanto instituição. Como relata Paulo Saincler ao contar da viagem frustrante do representante da classe dos ferroviários do Paraná que foi em uma reunião nacional de ferroviários no Rio de Janeiro.


"Perdemos o valor, olha o tanto que nós fizemos, coisas bonitas que fizemos e não cuidam delas"

lamenta Inácio Golinski, que foi supervisor de serviço nos trilhos da Rede.





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